segunda-feira, 28 de julho de 2008

1.

— Senhor Embaixador — disse o presidente para o aparelho com um aspecto desagradavelmente orgânico que o assessor segurava entre dois dedos que tentavam passar despercebidos, procurando sem sucesso esconder a repugnância por detrás de um sorriso rígido —, espero que a sua estadia no nosso planeta seja tão produtiva e agradável como... — o presidente fez uma pausa e lançou um olhar para o chefe de protocolo, um homem pequeno e careca, antigo astrónomo, em tempos idos membro proeminente do velhíssimo projecto SETI. Este fez um aceno encorajador e o presidente prosseguiu sem ser capaz de disfarçar o asco: — que a sua estada seja como um mergulho no nutritivo mar de muco dum... aaaa...

Goo-hoog, Senhor Presidente — segredou o chefe de protocolo, debruçando-se sobre o ombro esquerdo do chefe da nação, manobra que realizava com eficiência surpreendente dado ser pelo menos uma cabeça mais baixo que o líder.

Goo-hoog — concluiu o presidente, intercalando as sílabas daquela palavra alienígena com bocadinhos de um profundo suspiro de alívio.

O aparelho de aspecto orgânico começou a trepidar e a soltar estalidos agudos. Os aparelhos de metal, de fabrico terrestre, que procuravam sem qualquer sucesso mostrar-se discretos, encostando-se como sombras reluzentes de cromados às paredes pior iluminadas, a fim de que aquela recepção apresentasse sinais mínimos de normalidade, registaram vibrações de elevada intensidade na banda dos ultrassons. Algures, fora daquela sala, talvez nos jardins do palácio, um cão ganiu.

De repente, o extraterrestre começou a mexer-se de uma forma estranha ao mesmo tempo que os aparelhos de metal voltavam a detectar grande quantidade de ultrassons e o aparelho de aspecto orgânico ficava imóvel, fazendo lembrar um pequeno animal que se imobilizasse a fim de escutar os ruídos do seu mundo e, quiçá, detectar perigos. Daquela vez, os sacolejos do representante plenipotenciário dos hoog duraram pouco tempo, terminando num apito audível, após o qual o embaixador caiu também na imobilidade. Como que em resposta, o aparelho orgânico falou, numa bonita e muito humana voz de soprano:

— Amanhã será Sol, e eu também sou um berlinense para vocês.

— Hã?! — soltou o presidente quase sem dar por isso, virando-se para o chefe de protocolo.

— Senhor Presidente — começou este —, trata-se de uma cortesia do embaixador que, infelizmente, o tradutor automático não consegue traduzir com clareza. Ainda são necessários alguns aperfeiçoamentos na... na máquina.

— Ah. Com certeza, com certeza. — murmurou o presidente. Depois, virando-se para o embaixador, disse em voz alta — Muito obrigado, excelência. A que horas é a corrida? — perguntou logo de seguida ao assessor, sem esperar que a máquina orgânica traduzisse ou respondesse.

— Deve estar mesmo a começar, Senhor Presidente.

— Bolas!

A máquina orgânica traduziu para ultrassons esta pequena conversa. Ouviu-se um ganido vindo do exterior.



A CORRIDA EM QUESTÃO tinha contado com a presença dos Presidentes nos últimos 144 anos. Era um evento fulcral na vida política do Estado, uma vez que determinava a escolha do Presidente seguinte. Corrida da Tona, assim se chamava a competição ninguém sabia muito bem porquê, muito embora alguns estudiosos de arqueolinguística teimassem que o nome estava incompleto. A maioria dos cidadãos, naturalmente, não tinha o mais pequeno interesse por tais pormenores sem importância.

Mas nós temos, não é verdade? Nós somos diferentes da manada, não vos parece? Nós queremos saber o porquê daquele bolas, não queremos?

Então as coisas passaram-se assim:

2 comentários:

  1. :) gostei da ideia!
    espero que consigas publicar o livro... enquanto isso, acho que vou passar por aqui todas as semanas! força!

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  2. Obrigado, Paty. E sim, a publicação do livro vai mesmo acontecer, mas claro que nada melhor do que vir cá de vez em quando ver como páram as modas... ;)

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