segunda-feira, 11 de agosto de 2008

3.

NA ALTURA TODA A GENTE se riu, incluindo o próprio Cisco Sadio. Houve gargalhadas no estúdio, houve gargalhadas nos estados-maiores das candidaturas, houve gargalhadas em quase todas as casas que tinham a Interactiva ligada naquele momento, e houve gargalhadas mais tarde em muitas outras casas espalhadas pelo mundo, à medida que aquela sugestão absurda (daí as gargalhadas) ia sendo repetidamente retransmitida por quase todos os media de alguma relevância a nível global. Sadio transformou-se numa figura reconhecida por todos, o que lhe trouxe compensações e dissabores em partes iguais. Por um lado, enriqueceu. Por outro, deixou de poder sair à rua sem deixar atrás de si um rasto de sorrisinhos e gargalhadinhas abafadas, quando não era alvo de chacota directa e honesta.

Arbusto, no entanto, não se riu. Não só porque no dia seguinte toda a gente falava da ideia de Sadio e não do seu discurso de vitória, cuidadosamente preparado pelo seu staff ao longo de duas semanas e sistematicamente sabotado por ele próprio, com os seus sucessivos e habituais enganos, falhas de pronúncia e improvisações desastradas, como também porque, dizem as más línguas, não percebeu a piada e, pelo contrário, achou a ideia genial.

Seja isto verdade ou não, o que é certo é que quatro anos mais tarde o país assistia à primeira Corrida da Tona, corrida no mesmo dia das eleições, e transmitida no canal TodoSpor, da interactiva, e também, pela primeira vez com imersão completa, na virtual. Arbusto ganhou ambas as competições. Na Tona venceu por larga margem, visto os seus adversários terem investido pouco na corrida — afinal de contas, era a primeira vez —; nas urnas, pelo contrário, e apesar de uma abstenção recorde de 93,4%, venceu à tangente, o que o terá convencido em definitivo das vantagens do método da Tona sobre o eleitoral. Nas eleições seguintes, quatro anos depois, já não houve eleições propriamente ditas — só Tona.

Dessa vez, Arbusto não esteve presente. Tinha resolvido montar no palácio um sistema sofisticado de televisionamento da corrida e organizou uma recepção a todo o corpo diplomático para mostrar ao mundo, ali, em directo mas não ao vivo, o triunfo que previa tão estrondoso como na corrida anterior.

Mas daquela vez os adversários tinham-se preparado, e Arbusto foi derrotado, o que lhe causou um dos maiores ataques de fúria de toda a vida, transmitido em directo para o mundo inteiro.

Foi um sucesso. As audiências dispararam até níveis nunca vistos anteriormente.

E por isso, sob pressão dos media locais e globais, no resto do planeta outros países começaram a implantar sistemas semelhantes até que, com a Unificação (também conhecida como o Grande Golpe do Cartel Vegetal, ou GGCV), o sistema se tornou global. Bastaram meses para que, entre muitas outras mudanças menores, se tornasse obrigatória a tradução dos nomes para a língua franca mundial (uma espécie de inglês simplificado e cheio de palavras importadas), se adoptasse uma moeda única, o doleuro, se proibisse o ateísmo e se proclamasse a incontestável veracidade de todas as religiões reconhecidas pelo Estado, ainda que este fosse separado daquelas, e se decretasse que o palácio do Governo Central e arredores passariam definitivamente a servir de palco às Tonas, sempre com os presidentes presentes a fim de torcer pelos seus atletas.

Tinha sido atingida a Utopia.

Ou a Distopia, vá-se lá saber...

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