segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

28.

A COMISSÃO DE INQUÉRITO aos acontecimentos daquela Tona, depois de arrastar os trabalhos ao longo de duas décadas, durante as quais encheu as páginas mediáticas com relatórios preliminares que, bem espremidos, não continham quase informação nenhuma, chegou às seguintes conclusões:

O principal responsável pelo fiasco tinha sido, claro, o Chefe de Protocolo Serra, que não soubera ou não quisera lidar convenientemente com o hoog, provocando uma série infindável de equívocos que levaram à partida intempestiva do extraterrestre, não sem antes ter agravado a situação ao lançar-se em corrida para a nave, tentando agarrar o extraterrestre, falhando apenas porque o hoog excretara uma densa camada de gosma que o tornara quase impossível de agarrar (uma reacção instintiva de autodefesa da espécie, aparentemente) e caindo estatelado no chão. Serra não chegou a ser condenado porque o seu corpo nunca chegou a ser encontrado. Ele ainda conseguira levantar-se e agarrar-se à nave, no momento em que esta descolava, tendo sido visto pouco depois a cair sobre o oceano, onde o último sinal da sua passagem sobre o mundo foi uma considerável quantidade de água que foi lançada ao ar, antes de cair e de o submergir para sempre.

A culpabilidade de Serra não ofereceu dúvidas, e se só ele estivesse envolvido naquele assunto, a comissão rapidamente teria chegado a um relatório final que contentasse toda a gente, sendo dissolvida de seguida. Mas havia mais gente envolvida. Gente muito importante.

O comportamento do presidente que naquela época estava demissionário provocou grande polémica, com a comissão de inquérito a alterar a sua apreciação, da condenação total e feroz à absolvição também total e feroz, consoante as inclinações de simpatia da administração que na altura estivesse a exercer o mandato. Em situação simétrica estava a apreciação do comportamento do então candidato Meneres: era considerado inocente quando o outro era apontado como culpado e vice-versa. Por fim, quando a comissão finalmente produziu o relatório final, o que nele vinha escrito era que não havia provas suficientes quer para incriminar quer para inocentar qualquer um deles. Para que se tivesse concluído por tal resultado inconclusivo, ambos gastaram todo o dinheiro das suas reformas, todo o dinheiro acumulado ao longo dos respectivos mandatos (nunca se percebe bem como, porque o salário nem é assim tão elevado, mas os presidentes têm tendência a enriquecer, e muito, na presidência), e muito do dinheiro dos mais fervorosos dos respectivos partidários. Quer um quer outro, acabaram os seus dias sem dinheiro e sem partidários.

A Grandelasca foi totalmente ilibada, graças em grande medida ao depoimento do estafeta que entretanto, passado o perigo, reaparecera em lugar de destaque. Este meteu-se, de facto, na política, chegando a vice-presidente muitas Tonas mais tarde, não sem antes ter feito quatro filhos. À Grandelasca, claro, embora as más-línguas garantam que nenhum dos rapazes é dele.

Quanto aos restantes intervenientes nesta história, cada um seguiu o seu caminho, acabando todos por encontrar o destino último que tudo o que é vivo encontra, mais tarde ou mais cedo. Até mesmo o hoog, Agtar do Ninho de Madeira Verde e Mastigada, de seu nome e título, que teve o azar da sua nave ter esbarrado num micrometeoro menos micro do que o habitual, enquanto viajava a velocidades relativísticas de regresso ao seu planeta natal, desaparecendo, nave e tripulante, numa nuvem de plasma sobreaquecido.

Todos os esforços posteriores da humanidade para contactar os hoog foram infrutíferos. Também não foram muitos, nem feitos com grande determinação. Muito antes da comissão de inquérito ter encerrado os seus trabalhos, já esses esforços tinham sido abandonados e esquecidos.

Fizera-se o que se podia fazer, disse-se, e depois desistira-se.

E assim terminou a rocambolesca história do contacto mais inconveniente e da Tona mais cheia de peripécias dos últimos dois séculos. Talvez um dia ainda aconteça coisa pior.

Aliás, isso é certo. Assim o dizem as leis da termodinâmica. E as de Murphy.

2 comentários:

  1. Caro Jorge,

    Segui com interesse "por vós lhes mandarei embaixadores", na globalidade gostei bastante da história. O que mais gostei foram, sem dúvida, os diálogos em que intervinha o hoog... Sou o criador de um blog que talvez não tenha ainda ouvido falar, é o correiodofantastico.wordpress.com. Gostaria de lhe propor alguns desafios. O primeiro dos quais passaria por uma entrevista para o correio do fantástico em que os pontos de especial interesse seriam a sua opinião sobre o fantástico em Portugal e, sem poder deixar de ser, o romance que agora tão bem finalizou. Seria muito interessante criar um e-book do seu romance que poderia ser disponibilizado no nosso blog, onde tudo faremos para levar este romance ao maior número de leitores. Gostaria de saber se aceita este convite! O desafio seguinte passaria pela sua participação no nosso blog. Seria óptimo poder contar com a sua experiência e qualidade para divulgar o fantástico! Recentemente convidei o L.F.Silva, que penso ser seu amigo. Seria fantástico poder também contar consigo! Ficarei à espera de uma resposta, tenho esperanças que aceite ( o animus do blog é fazer uma ode ao que de melhor se faz no fantástico, nacional e internacional, e o nosso modus operandis é pautado pela liberdade criativa e temporal do colaborador). O meu e-mail é igdrasil@sapo.pt ! Sem mais de momento, Roberto Mendes

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  2. Ainda bem que a história agradou. Fico feliz. E, sim, também me parece que os diálogos com o hoog, todas aquelas incompreensões mediadas por um tradutor automático defeituoso e mal calibrado, e entremeados de ataques de moca, são o que está mais bem apanhado em tudo isto.

    Respondo ao resto por email.

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