QUANDO O ESTAFETA REGRESSOU à sala de recepções do Palácio presidencial, já lá não estava ninguém. Enquanto se desenrolara a conversa com Serra, no laboratório, o Presidente e a sua comitiva haviam tentado explicar ao extraterrestre, não sem grande esforço, exasperação e gestos exagerados, que era necessário deslocarem-se para outro local. Depois de longos minutos desperdiçados em tentativas baldadas, em que, um após outro, os dignitários presentes deslocavam as articulações em gestos cada vez mais grotescos e absurdos, bastou que desistissem, encolhessem os ombros e saíssem todos da sala, deixando o alienígena sozinho, para que este, após mover alternadamente os braços superiores, centrais e inferiores, parecesse enfim compreender o que se lhe queria transmitir. E mesmo que não tivesse entendido coisíssima nenhuma, o certo é que o efeito final foi o mesmo, visto que o hoog resolveu sair da sala também ele, seguindo o exemplo dos humanos, e perseguindo as suas vozes sussurradas com o ruído repugnante que fazia ao soltar do chão as ventosas que lhe cobriam as extremidades inferiores.
O estafeta não sabia de nada disto, bem entendido. Ao mesmo tempo que estes acontecimentos tinham lugar, estava ele a tremer como varas verdes, no laboratório, sujeito à fúria do chefe de protocolo. Por isso, ao chegar e deparar com a sala vazia, a primeira reacção que teve foi encostar-se à soleira, lançar as mãos à cabeça e gemer um “Oh! Não!” aterrado. Tão aparvalhado ficou que nem se lembrou da Corrida da Tona.
A segunda reacção que teve foi pesar os prós e os contras de esperar que alguém aparecesse ou, pelo contrário, ir em busca do presidente e comitiva através dos salões e corredores do gigantesco palácio, correndo um risco considerável de perdê-los e perder-se, o que já não era a primeira vez que lhe acontecia e que, segundo as assustadoras histórias que contavam os seus colegas mais velhos, era até bastante comum entre os estafetas recém-chegados ao serviço. Eram precisos anos de experiência para conhecer o território. Nele não existiam placas de informação ou mapas com circulozinhos concêntricos a dizer “você está aqui”.
A terceira reacção que teve foi ficar sem reacção, com o cérebro em curto-circuito, incapaz de tomar uma decisão.
Assim, quando o Chefe de Protocolo chegou à sala esbaforido, quinze minutos mais tarde, o estafeta ainda ruminava, imóvel, à porta da sala vazia, murmurando baixinho para si próprio. Serra trazia na mão o tradutor automático, o mais imponderavelmente que lhe era possível, porque o aparelho entretanto começara a segregar uma espécie de muco, ou baba, ou ranho, enchendo dessa substância as mãos do seu carregador, e fazendo-a transbordar destas para a bata, calças e sapatos, pintalgando todo o chefe de protocolo, anteriormente imaculado na sua bata branca, de pinceladas coloridas.
Serra não fazia a mais pequena ideia do que poderia estar a causar aquela secreção. Talvez fosse causada pelos solavancos, especulava, talvez tivesse mais a ver com o Canto Terceiro, ou até talvez fosse um processo fisiomecânico natural. Mas fosse o que fosse, não contribuía em nada para o deixar de bom humor. Bem pelo contrário. E assim, logo que pôs os olhos no estafeta atirou-lhe uma catadupa de perguntas irritadas:
— Que se passa? Que estás tu a fazer aí especado? Onde está toda a gente? Que fizeram ao ET?
O estafeta estremeceu, empalidecendo de susto. A expressão que lhe subiu ao rosto mostrava-o prestes a desmaiar ou a desatar a fugir para qualquer lado. Mas lá conseguiu encontrar recursos para responder, num murmúrio humilde:
— Nã... Não sei, s-senhor. Quando cá cheguei já cá não... não estava ninguém, e... depois... por isso... — a voz sumiu-se-lhe num murmúrio indistinto, perante o olhar selvagem do outro.
— O quê? Por isso o quê? Desembucha! — berrou Serra.
— Resolvi ficar à sua espera... isso... resolvi... — gritou o estafeta, assustadíssimo, esmagando-se de encontro à parede, respirando com força.
O chefe de protocolo olhou-o nos olhos, fazendo-o desviar os seus para o chão. O estafeta balbuciava sons sem nexo, rebuscando furiosamente o cérebro à procura de uma saída para uma situação que se lhe afigurava cada vez mais desesperada, capaz de o conduzir ao desemprego imediato, com carta de rejeição, ou coisa ainda pior. Por fim, fez-se luz no interior da sua pobre cabeça inundada de adrenalina e ele quase gritou:
— Tal... talvez tenham já ido para o dirigível?...
— Não pode ser! — exclamou o chefe de protocolo. Mas, apesar da negativa, arrancou a correr para o elevador mais próximo.
segunda-feira, 1 de setembro de 2008
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